segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Mal

 

Eu sou a luz difusa do lusco fusco e os gatilhos de ansiedade que ela traz.
Eu sou a noite que se aproxima trazendo o medo da solidão, sou o eco da solidão.
Eu sou o frio que não pode ser vencido, amortecendo aos poucos o corpo e os sentidos dos que não tem com quê se esquentar.
Eu sou a sede que enruga e mata, lentamente e com requintes de crueldade.
Eu sou o choro na madrugada, escondido e abafado, para que os outros fracos nunca saibam o quão fraco você é. 
Eu sou a competićão da dor, do que faz doer e do que se faz doído.
Eu sou o olhar perverso na crianća pequena, inocente como um incêndio doloso.
Eu sou o primeiro homicídio e o júbilo do primeiro homicída.
Sou o engasgo diante da retomada de consciência depois de um ato imperdoável dominado pela ira.
Ah! Eu sou a Ira. 
Eu sou a depressão logo depois da vitória tão suada, sou a areia movedića que te engole no sucesso.
Eu sou o coraćão tranquilo da mãe que acabou de abandonar sua prole diante do desconhecido.
Sou o sono profundo do pai que espanca por prazer.
Eu sou a areia no lenćol, imperceptível aos olhos mas enlouquecedor ao tato.
Sou a dor crônica de um câncer final.
Eu sou o mal.
Sou o sangue manchando o colchão do estupro desacreditado.
Eu sou a coceira no membro fantasma, decepado pelo crime da pederastia.
Eu sou o som do encontro do chicote com a carne do escravo, e também sou a indifirenća dos que fingem não ver.
Eu sou o gemido profundo da mãe que perde seu filhote pro abatedouro, e os olhos cansados das botadoras de ovos. 
Eu sou os pedidos de ajuda costurados nas roupas caras que chegam até quem menos se importa.
Eu sou a coceira no lugar que não se alcanća.
Eu sou o desdém.
Eu sou o desespero dos que morrem de fome, e o grito de socorro dos que não são ouvidos.
Eu sou a proibićão feita com a intensão única de exercer poder.
Eu sou o poder mantido pelo medo e também o medo mantido pelo poder.
Eu sou o dinheiro, sim, eu sou. E sou também o senhor dos tolos. 
Eu sou a última carreira, picada final a fumaća que se esvai como o espírito que foi apagado de dentro pra fora. 
Eu sou o último fósforo em meio à nevasca.
Eu sou o décimo faltante para o 10. E também sou a indiferenća diante das conquistas alcanćadas.
Eu sou o sofrimento que nunca acaba, numa insistente repetićão.
Eu sou a consciência da repetićão e a incapacidade de aćão.
Eu sou o cheiro de carne queimada nas clínicas de radioterapia e também do mendigo em chamas.
Eu sou a desesperanća diante da morte dolorosa. 
Eu sou a recidiva. 
Eu sou a saudade dos que nunca puderam se despedir,
A agonia da morte solitária
E a festa do único vencedor.
Não se enganem porque eu sou todos vocês e em todos eu estou. 
Eu sou o mal, no desejo e na prática, na teoria e na aćão, na mente e no coraćão. 
E não há lugar algum que você vá que eu não esteja.
Eu sou eterno.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Shadow and Reincarnation

 
So here I'm
Into the shadow
Where Fear is a sadist king
and Disgust covers my eyes with rotten blood.
I drown into the self pity of my pain
No word of joy can be listened
No hug of comfort can be felt 
My skin cracks and peels
like something that has been neglected for millenia...
But it wasn't.

So here I'm 
Into the shadow
Where my conscience struggles to light the spark that will save me.
And I know it will,
It has been done before.
So many times...
Even when I was somewhere darker
Even when I was almost dying.
Even when I almost lost all my faith.

I know I will get through this.

And that is why I lay down, 
That is why I dive into this shadow.
And I let it do what only shadow can do:
Peel me, 
Corrode me,
Expose me.
So that when I'm exposed,
Love can see me,
Friendship can embrace me,
Forgiveness can bless me.
And the fire of life can revive me, all over again.

And then
And only then
I will be healed. 
I will be reincarnated! 

So mote it be!!!

terça-feira, 12 de outubro de 2021

 Midas


E eu que já sabia, haveria de saber mais. Eu precisava caminhar sozinho, para só então compreender quanto de mim você é. Eu não quero saber de despedidas nem de dor, nem de choro, nem de tristeza, mas esses sentimentos, que nos parecem tão cinza, despertaram em mim uma cor que eu jamais havia visto. Foi na tristeza que eu encontrei resiliência e na dor mais profunda que achei, tal qual pérola numa ostra, a esperança mais vibrante. Eu nunca fugi, mas sempre evitei e ao evitar deixava passar também o amor, não sei bem quando foi, se ao abrir a porta, ou no primeiro beijo, já quente e íntimo, talvez na hora do gozo, não! com certeza fora antes, eu me apaixonei. Somente me apaixonando eu pude perceber em quanto de mim havia você. Não sei nem mesmo se podemos chamar isso de paixão, acho que não, era mais como uma invasão bem planejada. Não havia defesas para aquele sentimento que me tomava, meu corpo pedia mais, não queria deixar ir embora. E em poucas horas passaram-se séculos, e a certeza permaneceu, em cada célula, vibrando em mim como se eu houvesse sido tocado por Midas e transformado meu coração no mais puro ouro. Foi questão de poucos minutos para que eu me tornasse o homem mais rico do mundo. E lá estava ele, dourado como eu, sua aura pulsante acalentava a minha, era como uma vida dentro de outra, como um convívio que não podia ser desfeito, mesmo sem jamais ter acontecido. Então eu sofri, sofri premeditadamente pela minha volta, pelo meu retorno e pelo fim que um dia chegaria sem que eu soubesse, sorrateiro e cruel, como sempre são os fins daquilo que mais amamos, como é a definitiva morte de algo que nasceu para nos fazer bem. Não queria sofrer, mas sofrendo deixava a vida agir em mim sem barreiras, e isso me pareceu certo. Sofri, sofri e amei, e morri a cada dia que as areias da ampulheta sádica do tempo passavam. Sofri e chorei, cada noite um pouquinho para esvaziar a água que se acumulava em mim como acumula-se o chorume numa fruta em putrefação. E lá estava ele, em sua aura reluzente, em óbvio sofrimento e cheio de água, inchado uma vez que, diferente de mim, deixara para chorar tudo de uma vez só. Só quando me percebi do sofrimento é que decidi, haveria de ser feliz. Fugir era a opção mais simples e também a mais difícil, isso porque era de todas, a que mais ia contra o meu desejo de ficar. Permaneci. Acho que foi o movimento de uma estrela no céu que me despertou, quando o ficar se tornou óbvio, que eu deveria quem sabe, cair, como a cadente estrela que se joga do firmamento em busca da salvação terrestre, tola idiota. Cair era a solução, sofrer, cair e maldizer, com forte maldição, que minha língua se recusava a disparar, tudo aquilo que um dia me foi riqueza, recusei. Recusei o abismo que me vinha sedutor, desejoso de que o ouro que ainda em nós habitava lhe conferisse riqueza que jamais seria sua. Não, esse ouro era só nosso, e ainda o é, não poderia jamais doá-lo, perdoá-lo, abandoná-lo. Eu andava na beira do abismo, desafiando-o a me puxar, já que a coragem mais forte em mim já havia se impregnado. E ele, o abismo, me odiava de tal forma que tudo que eu podia lhe fazer era amar, com toda a força do puro ouro que de meu coração pendia.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Casamento de Ewa


 Meus pés cascudos tropeçam no gramado verde, a luminária não está fraca, inda sim o feitio da luz é difuso, eu caio no lusco fusco, caio... Bem de frente (`)a lareira. 

Ah aquele cheiro enozado de madeira queimada, nunca desacompanhada. A lareira era o estômago indigesto da casa, enzima fraca deixando tudo pela, todos os arrotos suspensos entre o ígneo e o aéreo; nem fogo; nem cinza. 

Ela era diáfana quando apagada. Por lá ecoavam as tristes almas dos amores perdidos, alguns em nós e outros no mundo. A brisa vinha e levantava as cinzas como um véu de noiva, chorosa pelo casamento arranjado. Sisuda, a pá de ferro continha, limitando, todos os pontículos rebeldes para que se estivessem prontos, uníssonos, mesmo que destimbrados.
Madame varria suas líricas gastas, arranhadas nos engastes e quinas, sempre um ou dois fios a perder tentando manter a aparente enveludação. 

Chegou da rua um som metálico de ploct e plict que se somou e equacionou. 
Disnivelado, o tilintar lunar em cada botoadeira e o cingilar solar dos dentes, cartão de visita de todo dôtô, gritava riqueza. 

Plumas e risos. Brincos e espumas e nem sei mais não meu sinhô.......... Era tanto quase, que via-se nada. 

.

Do buraquinho diminuto saiu tufão, vetania alastrada balanćou o quintal. Cresceu, 
O véu, as nuves, os espaćos. O= que não tinha saltava mais aos olhos que o conquistado.
Era o vazio que ia casar. 
            O ...zup... da zarabatana assuviou, e do meio da cascata de chapéus e boinazinhas, sangrou uma gota do dedo de quem nunca sangrara antes.

a morte congelou os coraćões na batida mais forte... que agoniaćão

o ar quente sobe......... o corpo frio cai..... 
os 
     corpos
                enlaćados brilham.

Amor.

 
      

quinta-feira, 15 de abril de 2021

La Huesera


Os ventos frios rodopiam trazendo a morte em sua dança.
Ossos descarnados crepitam a medida que os estalos roubam o calor das almas em seu saco de dormir.
Gélidos, nós desfazemos nossa personalidade, diluindo-nos na sombra que a noite torna estrutural.
Árvores, tijolos, pneus, dobradiças, cólmeias perfeitamente engenhosas, montanhas e arranha céu.
Somos todos perecíveis.
Ela dança, sua dança selvagem e livre.
Ela parece dobrada sobre si, o tempo que se retorce.
Buraco de minhoca da Eternidade.
Ela é implacável e nós nos curvamos diante de seu olhar.
Dançamos mesmo que não escutemos a melodia suave que Ela assovia.
As flores balançam nos pedúnculos, trapezistas kamikazes ligadas a ideologia da vida-morte-vida.
Somos o solo que exerce gravidade, o centro do mundo, de nós mesmos.
Essa entropia que chamamos de auto conhecimento, auto fagocitose.
Ela dança diante de mim, e eu a reverencio.
Seja sempre e eternamente bem vinda.
Seu saco de dormir está cheio de almas e ela repousa suavemente sobre todas.
Tal qual pata preocupada, pronta para chocar os mais desajustados cisnes esplendorosos.
O brilho prateado de seus olhos é frio mas aquece.
Sua fronte amedronta mas acolhe.
Estamos diante de ti ó Ossuda, e só tua piedade paira sobre nós agora.
Leva teus tributos, guarda-nos, recicla-nos.
As lágrimas secam, os erros são perdoados, a memória enfraquece, mas tua presença é eterna.
Corações e balanças, penas e suspiros, arrependimentos e alegrias.
Tu que és a Águarras das pinturas de Gaia, nós te saudamos por detrás do embaçamento de nosso medo.
Guie-nos no novo caminho.

quinta-feira, 11 de março de 2021


 
The white lady waits me on the road
her smile is pleasure and her taste sour
and as she dances I got no clue
that the red shoes could be my doom.
I look around and everything is new
and the lights keep my eyes dead to the truth.
The white lady waits me on the road
and once a lion, now I´m a dove.
Her body is tight, her hands are cold
the trembling heart announces the wedding soul...
She gives me nothing but I just go.
The white lady waits me on the road
She's friends with the Devil
and as I sleep they kiss above.
I'm handcuffed, no place to grow
and as I dance I know the true,
These red shoes will be my doom.
I turn around, I'm no more
I kiss her lips, her purple soul.
It is nothing new to get her blow
But now I know.
I know that I know.
The white lady waits me on the end of the road,
But I won't go (?)                                                                                                               

                                                                            
 



quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Médios


As craquelências de nossos vernizes mal feitos
assomam-se deliberadamente quando a noite cai.
Fracassos que nunca pudemos consertar, 

derrotas que amargam na alma e que tingem de ferrugem a velha alma um dia quarada.
Desonra de pai e mãe.
Vergonha de nós mesmos.
Somos insuficientes para gerir,

estamos sempre no que ainda falta,

esgotados nas tentativas infinitas de suprir a tristeza de nossas débeis existências.

Não somos heróis
Tampouco prestamos para sermos vilões.
Sombras medíocres de sonhos natimortos
Abortos malformados e dolorosos,

que impregnam o sangue vivo da criação com a lembrança do sufoco sustenido.

Malfadados, ressequidos, indesejados,

somos a geração do escapulido,

a marca do descuido,

o rancor do abandonado,
o falso prometido,
a tristeza corporificada,
a traição nunca perdoada,

o eco distante de um suicído malfadado.
Pretéritos mais que imperfeitos de nós mesmos.

sábado, 26 de maio de 2018

Finito

Foi um vento que passou, num ínfimo de tempo, um arrastão interno que destelhou minha mente, fazendo parecer uma eternidade toda aquela angústia. Foi a chance de ter pra além de mim mesmo a memória antiga apagada, substituída pela ignorância travestida de esperança. Eu me agarrei naquela ventania insana, dedos segurando forte no ar, cavalgando redemoinhos, eu tentei achar concretude onde jamais poderia haver. Eu sabia que nada poderia vir dali, que a notícia nova, devastadora, tudo aquilo que um dia temi ouvir, era a melhor notícia que eu poderia ter.
"Eu não te amo mais..."

sábado, 12 de novembro de 2016

3,2,1...

Putrefado.
Distante.
Adormecido.
Mergulhado no mar de lodo.
Pântano de morte!
Doenças que não se curam;
Da alma,
Do corpo,
Da mente,
De mim!
Apodrecendo,
A pele,
A carne,
O coração.
Se desfazendo na cáustica agonia de inspirar,
e expirar...
Despedaçado,
Mas inteiro no medo.
Odiado,
Por si mesmo.
Diluído.
Enfraquecido.
Desfeito.
No amor que morre,
na dor que judia,
no medo que domina,
na inércia que assume,
na fraqueza da alma.
Luz opaca de vida,
cor sem cheiro,
tesão sem gosto,
Torpor.
Derrotado.

quarta-feira, 27 de junho de 2012


Coração Selvagem

Eu corro selvagem, o pelos ouriçados em minha nuca refletem minha loucura. Livre loucura daqueles que não estão presos a nada. Eu pulo sobre o abismo mais profundo, não há medo, não há temor, eu sou rápido como o vento. Meus dentes são fortes e nenhum inimigo é páreo contra eles. Minhas patas são velozes e furiosas como o vento de uma tempestade destruidora. Eu não me contento com pouco, eu não tenho pouco a oferecer.
Corra ao meu lado, se for capaz. Me desafie, se for possível. Me ame, se tiver coragem. E se for seu o destino que também é meu, então iremos para muito longe, onde somente os lobos selvagens podem alcançar. Esse lugar distante que alguns chamam de felicidade, mas que eu só conheço como vida. Nesse refúgio tudo será nosso. Nesse refúgio só haverá nós dois, num uivo profundo dos que amam com a intensidade de um vulcão. Nas garras que dilaceram o coração mais abençoado.
Viva comigo, uive comigo, morra comigo, renasça em mim, para que consumemos nosso destino de sermos somente um, na alcateia estelar que é abençoada pela poderosa existência.